segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A consternação está perdendo espaço? O retorno de Hitler

Por Luiz Sayão

Uma das figuras mais sombrias do século 20 foi o ditador nazista Adolf Hitler. O artista desiludido austríaco conseguiu crescer na política alemã dos anos 30 até tornar-se o chanceler de um pretenso império germânico que acabaria se desmoronando em 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial. As terríveis decorrências do governo de Hitler ainda hoje nos causam espanto e pavor. Além da perseguição deflagrada contra os judeus, bastante conhecida e divulgada, e dos campos de concentração criados pelo regime nazista, Hitler foi o causador direto e indireto de atrocidades imensuráveis. Conforme as estimativas, a Segunda Guerra Mundial deixou cerca de 70 milhões de mortos, sendo mais de 24 milhões de russos, 20 milhões de chineses, 7,5 milhões de alemães e 6 milhões de judeus. Destes, 60% eram civis. A perseguição e os maus tratos atingiram diversas comunidades como ciganos, eslavos, homossexuais, judeus, evangélicos e comunistas. Um dos principais mártires evangélicos do período nazista foi Dietrich Bonhoeffer. Entre os teólogos renomados que perderam sua posição por causa da intolerância Führer, destacam-se Karl Barth e Paul Tillich.

As propostas imperialistas e racistas de Hitler chocaram o mundo por sua frieza no processo de condenação, prisão e assassinato dos “indesejados” pelo sistema. A eliminação de milhões de pessoas – calculada e premeditada – mais as experiências genéticas e científicas cruéis e desumanas deixaram o mundo consternado. Estávamos diante de um império da morte.

No entanto, parece que essa percepção da realidade está mudando. A consternação perdeu espaço nos últimos anos. Recentemente, por exemplo, conversei com alguém que comentou uma aula de filosofia. Nela a professora afirmou a lógica da sociedade relativista: “O que Hitler fez é errado para nós, mas para eles estava certo. Cada cultura e sociedade decide o que acha certo ou errado”.

Voltando a atenção para a perspectiva bíblica, vamos encontrar o fato de que Deus é descrito como o Deus que dá a vida e tem poder sobre ela (Dt 30.15; 1 Sm 2.6; Ne 9.6). Em grande parte, a teologia do Antigo Testamento é uma teologia da vida. A relação de polarização “vida-morte” marca muito da revelação das Sagradas Escrituras. O primeiro pecado humano tem como retribuição o castigo da morte (Gn 2.17). Em seguida, o que é vedado ao homem, que deseja independência de Deus, é a árvore da vida (Gn 3.22-24). Toda impureza ritual que encontramos em Levítico está relacionada com a morte. Os animais ligados à morte (carnívoros e rastejantes) não podem ser comidos (Lv 11). A impureza do fluxo do homem e da mulher os tornam imundos (Lv 15), pois o que era para ser vida tornou-se morte. Toda promessa de bênção para Israel envolve bênçãos da terra e de prosperidade, que são, em resumo, uma celebração da vida. Basta ler acerca das implicações da aliança entre Deus e Israel em Deuteronômio 27-29 e observar como a distinção básica é: bênçãos para a vida e ameaças que significam morte. O salmista louva a Deus e clama ao Senhor por causa daquilo que representa a diferença entre a vida e a morte (e.g. Sl 30).

A renovação das promessas de Deus por ocasião do exílio está claramente apresentada por Jeremias: “Ponho diante de vocês o caminho da vida e o caminho da morte” (21.8). Quando chegamos ao Novo Testamento, a polaridade permanece; agora, porém, o enfoque é distinto. A qualidade de vida sobe! A vida que está em vista é de qualidade plena e superior: a vida eterna (Jo 3.16). O próprio Jesus é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14.6). Já a morte absoluta descrita no Novo Testamento também é a morte eterna.

Conforme podemos observar, o Deus da Bíblia cria, enfatiza, valoriza e concede vida, e vida em plenitude (Jo 10.10). Quem crê tem vontade de viver e razão para celebrar a vida. Para falarmos sobre isso, é preciso entender que a vida é um valor importante nas Escrituras por causa da perspectiva bíblica da realidade. Segundo as Escrituras, o ser humano é imagem de Deus (Gn 1.26), o que lhe dá significado no universo e dignidade intrínseca. O homem possui origem e propósito definidos e caminha telologicamente para um destino, sob o domínio divino. O ser humano sobrevive após a morte e terá de prestar contas de sua vida a Deus, o justo juiz. Neste sistema bíblico, faz sentido viver. Todavia, quando isso é deixado de lado, o sistema desmorona e passamos a caminhar na direção de uma cultura “da morte”.

Será que é sem razão e explicação que vivemos numa sociedade que banalizou o aborto e que trivializou a violência? Por que, à semelhança do paganismo greco-romano antigo, há uma obsessão crescente na sociedade pela morte e pela violência? Há uma sede de sangue no ar! Os filmes de terror, obsessão máxima pela morte, tornaram-se divertimentos triviais. É a triste universalização do “Halloween” americano. Não é assustador e estarrecedor observar a busca da morte nas drogas e nas experiências radicais sexuais e religiosas que rondam o público adolescente e juvenil, em pleno vigor da vida? Por que grupos de rock como ACDC, Kiss e Sepultura fazem sucesso e cativam tantos fãs? Como entender a epidemia mundial de suicídio, principalmente em países abastados, incluindo crianças e adolescentes? O que está acontecendo conosco? Socorro! Parem o mundo que eu quero descer! A irrelevância e a fascinação da morte nos assustam!

O fato é que, sem o Deus da vida, caminhamos para a morte. Estamos de novo sob a sombra de Hitler, filho lógico da sociedade secular, pós-nietzschiana. A verdade é que a sociedade secular, que se enraizou na cultura ocidental nos últimos quatro séculos, a partir da natureza e do homem, não tem base para estabelecer e defender o valor da vida e do ser humano. Sem Deus, o homem está morto. Sem Deus, não há paradigmas, e sem paradigmas absolutos, não há razão para viver. Sentimos a maresia e a náusea dos escritos existencialistas ateus. Por que o racismo de Hitler deve ser condenado? Em que base? Se o ser humano não tem valor intrínseco, por que uma etnia específica teria algum valor? Se não há parâmetros para definir o que é certo e errado, como dizer que Hitler cometeu crimes contra a humanidade? O americano imperialista belicoso, o terrorista radical islâmico, o índio que comete infanticídio e o neonazista homicida estão todos corretos em seus próprios pontos de vista! Só resta a voz (ou a arma) do mais forte para impor a lei neste admirável mundo bárbaro.

Nossa sociedade está em crise. O fato é que em muitos países, assassinos são hoje protegidos pela lei. O aborto tornou-se “direito” e sinal de “avanço”. O suicídio tornou-se “requinte” de sociedades sofisticadas. O nível de barbárie dos crimes apavoraria até os carrascos de Auschwitz. Vemos pedofilia seguida de morte, canibalismo, chacinas, crianças homicidas, suicídio coletivo etc. Onde vamos parar?

A sociedade secular, com seu humanismo, ateísmo e agnosticismo, nunca foi coerente com seus pressupostos. Embora crítica do cristianismo, sempre viveu de seus valores. No secularismo ateu não há lugar para a misericórdia, a caridade, o amor e a esperança. Os ateus e agnósticos vivem, na prática, com idéias cristãs de amor, igualdade, perdão etc. A grande pergunta é: “O que acontecerá conosco quando tivermos gerações criadas sem a influência cristã?”

Se Deus não existe e não há juízo final, e a vida é apenas agora, um mero acidente que deu certo, a lógica necessária é a selvageria. O que vale é aproveitar ao máximo o pouco que temos neste mundo sem lei e sem lógica. A questão se torna muito mais relevante quando vemos a barbárie crescente presente em nosso cotidiano e o surgimento de uma nova empreitada hostil de ateus e agnósticos contra a expressão religiosa, particularmente contra o cristianismo, exemplificada na obra recente de Richard Dawkins (publicada em matéria de capa da edição de setembro de Enfoque). Se não considerarmos a história de nossa tradição ocidental, com sua herança cristã e suas decorrências, corremos o sério risco de ver uma versão piorada do que foi o nazismo; seria o “retorno de Hitler”.

FONTE: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=77&materia=942 Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Um comentário:

  1. Prezados,

    Realmente não só a violência, mas como o culto ao mórbido ganha cada dia mais espaço, nos cinemas então isso é cada vez mais evidente.

    Um horda de filmes onde personagens são expostos em suas víceras, decapitados, filmes de zumbis, há até comédias feitas com essas temáticas.

    O que significa isso, realmente eu não sei, mas não é coisa boa.

    Enquanto herdeiros de uma tradição cristã não podemos aceitar que o sofrimento de nosso semelhante, seja ele quem for, esteja banalizado.

    Daí a importância do fortalecimento das ações que pregam a efetividade dos direitos humanos, porque eles, os direitos humanos, partem de um premissa cristã de que se um homem, mesmo que seja um só, no outro canto do mundo, tem sua dignidade afetada, toda a humanidade também é. Uma concepção de que os homens são um ser em espécie, uma unidade espiritual.

    Há uma linda passagem na Carta aos Corintios, supreendentemente pouco citada, que para mim representa muito bem essa questão dos direitos humanos ela diz: "embora eu seja livre em relação a todos, tornei-me o servo de todos" (1,Cor, 9, 19).

    abraços e parabéns pelo blog,

    Nilson Soares
    www.baiaodeideias.blogspot.com

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